Descobre os Açores: Um Guia Ilha a Ilha
Este arquipélago sereno é um tesouro por explorar — porque será que continua a ser ofuscado pelas cidades e praias do continente?
Descobre os Açores: Um Guia Ilha a Ilha
Este arquipélago sereno é um tesouro por explorar — porque será que continua a ser ofuscado pelas cidades e praias do continente?
Foto de Damir Babacic na Unsplash
um destino cada vez menos sazonal
Por vezes, esquecemo-nos que temos no nosso país um arquipélago recheado de assombrosos tesouros naturais. Hoje, partimos à descoberta de cinco das nove ilhas açorianas.
O arquipélago dos Açores aprendeu aos poucos a viver com o seu anticiclone e consolidou-se como um destino turístico contra a sazonalidade. Com efeito, as nove ilhas oferecem um número crescente de actividades recreativas que tornam qualquer viagem inesquecível.
Os portugueses descobriram este remoto arquipélago, espalhado a 800 milhas a oeste do continente, nas brumas do Atlântico, no início do século XVI. Os Açores são nove ilhas, cada uma com um caráter quase mítico: terras de vulcões, águas termais borbulhantes, géiseres de vapor, lagoas turquesa e lagos verde-esmeralda. Com uma paisagem que parece viva, não admira que a população tenha procurado proteção no Espírito Santo — uma devoção que se mantém até hoje, visível nos inúmeros santuários e capelas que pontuam vilas e cidades. Mais do que tudo, esta fé é um traço essencial da identidade açoriana.
Essa autenticidade torna os Açores um destino irresistível, para além das paisagens extraordinárias e diversas, da gastronomia única e dos excelentes vinhos. Hotéis contemporâneos sofisticados estão a surgir, solares antigos transformam-se em alojamentos e eco-lodges acolhem caminhantes e amantes da natureza, para quem a chuva frequente não é obstáculo. É graças a este clima que as ilhas são tão verdes, que aqui existe a única plantação de chá da Europa, que os pequenos ananases são incrivelmente doces e que as vacas, a pastar todo o ano entre sebes de hortênsias azuis, nos dão leite, manteiga e queijo que, por si só, justificam a viagem.
São Miguel
São Miguel de ontem e sempre
De vez em quando, a Biblioteca Pública de Ponta Delgada oferece aos habitantes da ilha de São Miguel um pequeno privilégio: abre o precioso cofre onde se guardam algumas das maiores relíquias literárias de autores da ilha e se exibem as páginas manuscritas de uma obra única: Saudades da Terra, do cronista Gaspar Frutuoso (1522-1591), o documento fundacional da identidade açoreana. No livro, cujo acesso só se tornou público no século XX, o primeiro escritor nascido nos Açores que se conheça deixou as suas impressões sobre o arquipélago e os seus primeiros povoadores, a paisagem e os animais das ilhas.
Guiados pela narrativa de Frutuoso, decidimos caminhar num das dezenas de trilhos sinalizados na ilha de São Miguel. Escolhemos o Atalho dos Vermelhos, na região nordeste, um trilho de dificuldade média com pouco mais de cinco quilómetros. É um passeio tentador entre zonas com uma importância fundamental para as aves e as massas arbóreas remanescentes da floresta endémica.
Com a leitura de Saudades da Terra fresca na memória, o viajante pode comparar a paisagem que vê com as descrições de Frutuoso, segundo o qual “o bosque era tão denso que, em muitas partes, um cão não conseguia passar por entre as árvores, nem sequer por baixo. E em muitas ocasiões percorria-se uma grande distância sem os homens porem os pés na terra, avançando por cima das árvores”. Partes do trilho permitem-nos regressar ao século XV, a essa floresta densa onde “uns bois se perderam e caminharam pela montanha durante três ou quatro anos”.
Vila Franca do Campo e a ilha em forma de coração
Com a alma renovada pela caminhada e pela aula naturalista, encaminho-me para uma das zonas de restauração e ócio mais extraordinárias de São Miguel: Caloura. A aldeia nunca se esqueceu das incursões dos piratas, devido às quais aqui se instalou o posto de defesa da ilha. Actualmente, os “ataques” são de índole gastronómica e, diante da exuberância de peixe e marisco, o visitante baixa rapidamente as defesas, deixando-se vencer.
Vila Franca do Campo é testemunha da história rica da ilha. A primeira capital administrativa da ilha funcionou aqui, até um terramoto devastador ocorrido no século XVI deter o ímpeto colonizador e canalizar as aspirações de fundar uma cidade para Ponta Delgada. Mais uma vez, Frutuoso guia-nos na interpretação da paisagem, recordando como os rios de lava “arrefecidos pelo ar, rapidamente se convertiam em bolachas de pedra em bruto, como tantos outros em muitas partes da ilha”.
O museu local é outra fonte de orgulho dos Açores, prestando tributo ao pioneiro José Cordeiro que, no final do século XIX, realizou aqui importantes experiências de produção e distribuição de energia hidroeléctrica, antecipando-se aos cientistas europeus.
Um ilhéu com muita energia
Vila Franca do Campo tornou-se famosa entre a comunidade de aventureiros internacionais ao integrar o circuito Red Bull Cliff Diving. O seu ilhéu com uma baía interior perfeitamente circular serve de trampolim para atletas capazes de saltar para o mar a partir de 27 metros de altura. Os barcos partem de Vila Franca do Campo entre meados de Junho e meados de Outubro. Só é permitida a presença de 200 pessoas de cada vez na ilha, com um máximo de 400 por dia. Durante o resto do ano, quando o serviço regular de embarcações é suspenso, o ilhéu é um destino paradisíaco. O acesso é então proporcionado por empresas que organizam excursões guiadas para contemplar aves como a cagarra-do-atlântico e o garajau-comum. O viajante deve respeitar o equilíbrio frágil deste local.
Santa Maria Island, Azores - Photo Tiago Miguel Pereira from Unsplash
Santa Maria: A Primeira e Mais Quente Ilha dos Açores
Praias douradas, águas cristalinas e um paraíso para mergulhadores.
Situada a 34 milhas a sul de São Miguel, Santa Maria foi a primeira ilha descoberta pelos portugueses, em 1427. Com o clima mais quente do arquipélago e apenas 18 km de comprimento, oferece praias de areia dourada e águas cristalinas graças ao seu clima temperado. A proximidade à reserva natural das Formigas e ao banco Dollabarat faz com que seja considerada um dos melhores destinos de mergulho da Europa.
Santa Maria Island, Azores - Photo Antonio Araujo from Unsplash
Terceira: História, Natureza e Tradições Únicas
Entre paisagens verdes, lava negra e a cidade Património Mundial, esta ilha surpreende.
A mais desenvolvida das ilhas centrais, em grande parte devido à base aérea americana ali instalada — ainda assim, continua a ter o dobro do número de vacas em relação aos habitantes. O seu interior verdejante lembra a Irlanda, enquanto a costa revela zonas áridas de lava negra. A cidade histórica de Angra do Heroísmo é Património Mundial da UNESCO, reconhecida pelo papel estratégico do seu porto no Atlântico, ponto de paragem nas rotas entre a Europa, América e África durante mais de 300 anos. A ilha é famosa pela sua peculiar tourada à corda e pelo Algar do Carvão, uma cavidade vulcânica que abriga algumas das maiores estalactites do mundo.
Imagem gerada por IA com Microsoft Copilot (não é fotografia real).
Graciosa: Paz, Natureza e Mistério Subterrâneo
Descobre a ilha mais tranquila dos Açores e a impressionante Furna do Enxofre.
Uma das ilhas mais pacíficas dos Açores, o seu nome significa “Encantadora”, mas também é conhecida como “Ilha Branca” devido à costa de rochas claras, sobre as quais se erguem moinhos vermelhos com torres. É famosa pelos adoráveis burros anões e pelas tradicionais queijadas artesanais, mas a sua principal atração é a Furna do Enxofre, onde é possível descer às profundezas de uma cratera vulcânica. As águas geotérmicas são procuradas para tratamentos, e as águas profundas ao redor da ilha tornam-na ideal para expedições de observação de golfinhos e baleias.
São Jorge
São Jorge, Azores - Photo Joshua Kettle from Unsplash
São Jorge, a temperada
Em São Jorge, o viajante pode sentir-se tentado a olhar para o calendário e confirmar se não se enganou no mês do ano. Embora as oportunidades para surfar diminuam drasticamente na maioria das praias do hemisfério Norte, esta ilha mantém as condições ideais.
A costa norte de São Jorge, a mais resguardada, reúne 30 das 46 fajãs da ilha. Estas plataformas estreitas de lava, encaixadas na base das encostas e cercadas pelo mar, formam uma paisagem singular e foram declaradas Reserva da Biosfera. A Fajã dos Cubres costuma ser o ponto de convívio da pequena comunidade de surfistas da ilha e acolhe sempre os forasteiros com um sorriso num espaço de lazer. A configuração do relevo gera ventos favoráveis para surfar. Embora mais imprevisível, a costa sul também alberga um sítio privilegiado: a Fajã dos Vimes.
A Fajã das Amêijoas
Se visitar São Jorge no Outono ou no Inverno, a pesca de um dos manjares mais populares da ilha, as amêijoas, já terá terminado. As amêijoas encontram-se apenas na lagoa da Fajã de Santo Cristo e são uma maravilha gastronómica que o mundo exterior começa gradualmente a descobrir. A presença deste volumoso molusco neste enclave singular é tema de discussões acesas nos cafés da ilha: existem explicações para todos os gostos sobre a sua origem há aproximadamente um século.
Ainda em São Jorge, no intervalo entre a incessante tarefa de captar numa fotografia a majestosa paisagem da montanha que derramou lava no mar, o viajante pode encontrar um museu único na Calheta, que presta homenagem ao compositor Francisco de Lacerda, um de muitos açorianos notáveis que deixou a sua marca no mundo através da música. Foi um dos fundadores da Filarmónica de Lisboa e director de orquestra em França e na Suíça. Regressava a São Jorge para descansar. “Ou a Fragueira ou Paris” é uma frase sua que perdurou. Olhando novamente para a paisagem selvagem e verde, não é difícil concordar.
Pico, Azores - Photo Diogo Ferrer from Unsplash
A subida ao pico de Portugal
Primeiro, reconheçamos o óbvio: o céu dos Açores pode mudar subitamente, enquanto o diabo esfrega um olho. O sol esconde-se e a promessa de um dia radiante pode desvanecer-se em segundos. O clima está de tal forma embutido na identidade insular que em Mau Tempo no Canal, o livro fundamental de Vitorino Nemésio sobre o carácter dos ilhéus, a sua influência modifica os sentimentos e condiciona as acções das personagens.
Actualmente, porém, há turistas que valorizam tanto a chuva e a neve como o Sol. Assim que caem os primeiros flocos de neve na Montanha do Pico (2.351 metros), o tecto de Portugal, surge um tropel de viajantes decidido a empreender a sublime subida a um dos cumes atlânticos mais distintos. Na ilha do Faial, a cidade da Horta era para Nemésio um “palco anual diante desse cenário (…), por vezes com o cume púrpura cortado por uma nuvem cinzenta (…), por vezes com um céu de algodão sujo”. Embora se situe no Faial, separada da ilha do Pico por um canal, a atraente cidade da Horta é, para muitos, um acampamento de base antes da escalada.
O esbelto vulcão do Pico atrai as nuvens e nem sempre se deixa ver, mas, quando finalmente surge uma aberta e a neblina se dissipa – condições indispensáveis para que as autoridades locais autorizem as subidas, devidamente monitorizadas por um equipamento de GPS –, a montanha rende-se às formigas humanas que sobem até ao cume. É essencial levar roupa quente, alimentos energéticos e água. A subida íngreme deve ser realizada com a orientação de um guia autorizado.
O caminho das Lagoas no Pico
De volta às partes mais acessíveis da Ilha do Pico, encontramos trilhos de caminhada para todos os gostos. A ilha conserva importantes massas de vegetação autóctone e lagoas impressionantes. O Caminho das Lagoas liga as Lagoas do Caiado, a Lagoa Seca, a Lagoa do Peixinho e a Lagoa do Paul, proporcionando um acesso privilegiado a uma paisagem de turfeiras. Com sorte, os ornitólogos amadores poderão ver merlos e estrelinhas, que valorizam a tranquilidade destes ecossistemas situados a meia encosta.
A chuva, quando aparece, não costuma durar. Mas se o fizer, o viajante tem sempre à sua disposição a Gruta das Torres. O maior tubo de lava do país mede cinco quilómetros e é fruto de uma actividade vulcânica ocorrida, no máximo, há quinze séculos. A descida da longa escada que conduz à gruta é quase cerimonial. Talvez a mente do viajante ecoe as palavras de Ti Amaro, o baleeiro que Nemésio utiliza como narrador do seu romance, recordando que “este solo das nossas ilhas, graças a Deus, está todo partido!”
Faial, Azores - Photo Jan Bachor from Unsplash
Faial, a ilha mais atlética
No Faial, o ecoturismo está presente em todos os meses do ano. Actividades marinhas como avistamento de cachalotes, baleias-boreais ou baleias-de-barbatanas, que frequentam as suas águas no Verão, são suspensas durante o Inverno. No entanto, o viajante pode caminhar na caldeira de Cabeço Gordo, debruada a hortências, ou na paisagem lunar do vulcão dos Capelinhos, criado em 1957. O Faial pretende ser a ilha mais atlética do arquipélago. Todos os anos, no mês de Maio, acolhe o Trial Running, uma competição que pode ser descrita como uma corrida ininterrupta de uma ponta à outra da ilha.
A Grande Rota dos Baleeiros (125 quilómetros e 5.000 metros de desnível) é outra competição internacional que atrai os atletas ao Faial e liga todos os antigos postos de observação da caça à baleias, situados em promontórios debruçados sobre o oceano. É um exercício de contacto com a natureza, mas também uma lição sobre uma das mudanças culturais mais extraordinárias desta sociedade. O último cachalote foi caçado nos Açores em 1987 e a actividade baleeira, sustento de muitas famílias durante um século e meio, transformou-se na actual indústria de avistamento de cetáceos. O Museu dos Baleeiros, localizado na ilha do Pico, mostra como se praticava essa actividade quase artesanal.
Entre caminhos no Faial
O Faial dispõe de trilhos de caminhada que acompanham o único canal de condução de águas da ilha. Um deles, com 7,6 quilómetros e acessível a qualquer caminhante, começa na Praia do Norte. Quando a neblina cai sobre a floresta laurissilva, uma aura mística inolvidável instala-se, como se um mundo de fadas e duendes se antepusesse à razão e o caminho revelasse uma passagem secreta para o passado em cada curva. Também existem empresas que organizam passeios a cavalo no Faial – uma experiência ideal para todas as idades.
Flores, Azores Photo Alex Baker from Unsplash
A ilha das Flores e os seus barrancos
Nas Flores, os fãs de canyoning dispõem de um vasto leque de propostas, desde desníveis extremos a trechos simples, embora São Jorge e São Miguel também sejam bons destinos. A ilha das Flores possui vias fluviais bastante planas, ideais para simplesmente caminhar sobre o rio. Noutros graus de dificuldade, acessíveis através de alguma das empresas especializadas, a rota exige saltar, fazer rapel e escorregar em tobogãs de basalto polidos pela água. O trilho mais exigente desce 225 metros de paredes vertical e garante entre quatro e cinco horas de muita adrenalina.
Em contraste, o magnífico Museu da Fábrica da Baleia de Boqueirão, em Santa Cruz das Flores, capital da ilha, oferece uma oportunidade para recuperar o alento e aprender mais sobre a relação íntima dos marinheiros com os grandes cetáceos. Mais uma vez, recordamos a crónica de Gaspar Frutuoso, com a famosa passagem que menciona a ousadia de “um peixe que não era baleia, sem osso nem espinha (…) que, se abrisse a boca, bem poderia caber e entrar nela uma junta de bois com o seu carro de bois”.
Os Açores, um bordado de ilhas encantadas do Atlântico, serão sempre um território de descoberta e fascínio pela natureza. Independentemente do que possam dizer os meteorologistas.
Corvo, Azores - Photo Tiago Miguel Pereira from Unsplash
Corvo: Entre Basalto Negro e Céus Cheios de Aves
Descobre a ilha mais isolada do arquipélago e o seu encanto natural.
A menor ilha dos Açores é o topo desmantelado do vulcão submarino Monte Gordo. É surpreendentemente pouco desenvolvida, com cerca de 400 habitantes, cujas casas são construídas em basalto negro na única povoação, Vila Nova. Corvo, ou Ilha do Corvo, é um destino muito procurado por observadores de aves, sendo ponto de paragem para inúmeras espécies migratórias.
Inspirado no artigo “An Island-by-Island Guide to Portugal's Azores” da Condé Nast Traveller. https://www.cntraveller.com/